Abriu os olhos e viu a escuridão total. Esticou os braços para tentar alcançar um pouco do nada e percebeu que toda a sua existência estava ali entregue, desnuda, abandonada como se não housse mais nada nem mais ninguém nem medo menor. Respirou fundo e engoliu um pouco do suor amargo que fez engasgar. Já não podia fazer nada a não ser mergulhar no infinito.
Apesar da amizade de Unaí, Guaraciaba sentia-se solitária e estranha. Era a única de cabelos dourados em todo o reino. A pele branca repleta de sardinhas. Os olhos azuis e o corpo magrinho. As pernocas compridas feito bambu. Tudo isso fazia com que a menina se sentisse mal e alguns sacis riam-se dela por isso. Só Unaí já sabia que a grandeza da amiga estava em seu coração.
Ela tinha só 12 anos e gostava de passar hora e meia junto à janela rascunhando alguma coisa em seu caderninho de folhas cor-de-rosa. Naquele dia pensou e escreveu "Eu prefiro escrever a poesia que não se escreve, a poesia que se vive, pois é essa a poesia que não se esquece e que se guarda para sempre dentro do coração".
Sobe, desce, corre, pára, braços retos, lado esquerdo depois direito, pés pro alto, agacha, levanta. Varre, limpa, tira o pó, passa o veja, o alcool, a candida no chão, empurra o fogão, desengordura, bombril. A vida comum é tão chata que até entendo meu gosto de ser estranha, ao menos assim mantenho a serenidade necessária pra conseguir expelir gás carbônico sem dó.
Acordei tarde demais, com taquicardia. Senti como se despertasse de um longo pesadelo. O medo corria atrás de mim com seu olhar raivoso. Juntei forças, corri, subi montanhas, desci por desfiladeiros e acordei antes de ser apunhalada. Foi por pouco. Agora, já calma, meu coração começa a voltar ao seu ritmo normal e se eu cair no sono novamente será pra sonhar com o mar.
Corre, esconde, corre, esconde. Mas até quando? Esconde, corre, esconde, corre. Até onde? Tudo o que ela quer é apenas seguir o rumo dos seus desejos, mesmo que errados, mesmo que tortos, mesmo que pouco espertos. Quer sorrir e sentir que suas escolhas serão aceitas não por serem boas, mas simplesmente por serem suas.
O caminho às vezes parece eterno. Por mais que se corra e se canse, por mais que se grite ou engula, sinto como se estivesse em eterna marcha ré, em constante caminho contrário, cada vez mais distante de mim. "Acorda Juliana!", ele grita, sacudindo-me a cabeça, arrancando-me os cabelos, limpando-me as lágrimas. De nada adianta, pois quanto maior o alarde, maior a lentidão.
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